19 de nov. de 2009

STARTAC BOLACHÃO.



Como não fui eu que comprei a passagem desta vez, fui na poltrona 7 , na segunda fileira, até que é bem confortável pois os bancos da frente ficam mais embaixo e consigo espichar os 1,83 cm, mas pela minha superstição de comprar lugares mais atrás, não estava 100% seguro. Da onde estava via tudo que o motorista fazia; os caminhões se aproximando, a chuva cada vez mais forte, via uma moça na fileira a esquerda também sentada na janela olhando de canto de olho a cada vez que eu espiava a revista do passageiro da frente, não via muito mais coisas até porque estava na poltrona 7 e não estava afim de ver nada. Passado um tempo peguei um livro, li um ou dois contos, e ai:
- Eu coloquei na lavadora, é só esperar terminar a centrifugação e pendurar... ahhhh minha filha eu já estou no ônibus....
Parei meu conto é claro, voltei umas linhas para retomar o raciocínio e continuei enquanto minha dupla de viagem já respirava fundo ensaiando uma sinfonia que faria meus nervos ficarem um pouco mais apreensivos, por sorte foi apenas ensaio, até por que:
- Bahhhh meu! , já estou em Porto Alegre (mal tínhamos saído da rodoviária de Pelotas), to indo pra Brasília hoje, só volto segunda... certo ... certo... segunda passo ai.
Mas que merda temos eu e os outros quarenta passageiros a ver com a vida da senhora que tem uma filha mimada e do cara de cabelo lambido que esta indo para Brasília pela primeira vez?
Nada, é claro, mas o tempo em que precisávamos mostrar que compramos um celular já era, o “Startac Bolachão” virou acessório de fantasia, ganhamos celulares, eles dão cria se proliferam, tiram fotos, fazem vídeos, acessam a internet, mas no fundo são todos a mesma porcaria. Ahhhh e falando nisso o meu toca música:
“...e a loucura finge que isso tudo é normal, eu finjo ter paciência... “

Felipe Campal

17 de nov. de 2009

NO FIM DA AREIA.



Acordou, estava com 80 anos, perguntou à senhora que estava a seu lado:
- O que houve?
- Ué, como o que houve? Você acaba de acordar, oras!
- Como assim? Mal consigo levantar meus braços. Olha só estou todo enrugado, sem pêlos.
- Que isso meu amor! Você esta igual que nos últimos 10 anos.
- Meu amor! Você disse meu amor?
- Sim qual o problema? Repito isso a 57 anos, e você nunca reclamou.
- Saia daqui sua velha nojenta, vai curar esse mau hálito dos diabos, e não me venha com “meu amor”.
- Mas o que houve com você, meu velho? Porque tanto espanto e indignação?
- Acabo de acordar este é o problema, e o pior, acordei aos 80 anos do lado de uma velha de sabe-se la quantos anos, sem lembrar da metade das coisas que fiz nesses últimos tempos. Lembro-me de acordar, comer, trabalhar, escrever, fumar, beber, ir aos mesmos lugares, comer as mesmas coisas do menu , falar dos mesmos assuntos com as mesmas pessoas chatas e cínicas, transar, broxar, e dormir, dormir para não acordar.
- Ahhh vá se fuder seu velho de merda, e não se esqueça de colocar água para o mate, pegar o jornal e regar as plantas.

Felipe Campal

12 de nov. de 2009

REBELDIA É MEU NOME.



“Rebeldia é meu nome” gritava o galo cinza para si mesmo, contra uma parede, em um poleiro vazio, acuado, nervoso por novas batalhas. Ali se via preso em um cativeiro sentimental complicado de explicar, apreensivo pela liberdade dos rebeldes.
“Liberdade é meu nome” gritou o galo cinza na última vez que a viu, saiu, perdendo-se na mata, atirado a sorte do mundo, como sempre quis.
“Rebeldia é meu nome” escutava-se ecoar na selva escura e calma naquela noite. Perdeu-se o galo cinza, perdeu-se entre o tempo e que ficou.
“Liberdade é meu nome” sussurrava o solitário galo cinza, agora tendo encontrado a si mesmo, na calmaria de sua consciência.
Felipe Campal

5 de nov. de 2009

A CRUZADA DE DEMÊNCIO


Na sala ao lado, Demêncio de Alguma Coisa, sozinho chegou por volta das dez da noite, devagarzinho sem ninguém percebê-lo ficou ali em silêncio, solitário Demêncio. Fui vê-lo, pois o frenesi era tanto em descobri-lo, que não me contive. Ali estava; baixote, troncudo, pele escura, cavanhaque bem aparado, aparência singela de quem esta em paz, liso e alinhado; como se viesse direto do Madame Tussauds.
Seu primeiro companheiro apareceu mateando por volta das duas da madrugada, agora eram dois solitários, um ele Demêncio, o outro, o do mate, cada um em seu mundo conversando através das lembranças e esperando, esperando, esperando...
Eu ali na sala ao lado, travando uma cruzada contra o sono, escutando histórias do passado, e concluindo que quando a espera é longa o fim é natural. O fim que todos queremos é a única coisa que gostamos de esperar, esperar, esperar...

Felipe Campal