14 de jan. de 2010

ACABOU A PILHA.



Faltou luz! Grande novidade chove forte aqui e já estamos acostumados a isso. Céu escuro é sinônimo de ir ao armazém mais próximo e comprar as tradicionais velas brancas, colá-las com seu próprio sebo em um pirex marrom e esperar em silêncio ao som de um violão.
Não consegui dormir este dia, e admito não ter ido ao armazém e as pilhas que tinha estavam gastas de mais, o suficiente para iluminar as primeiras idas ao banheiro. Chegou ao ponto que estava com os dedos gastos de tantos acordes que me faziam atravessar músicas e melodias, quando resolvi, no tato, dormir. Não derrubei nada, e meu dedo pequeno do pé descansou intacto, mas não consegui pegar no sono e quando isso acontece penso em milhões de coisas ao mesmo tempo e claro naquela noite meu instinto começou a imaginar como seria o mundo as escuras, como seria ser cego, como seria ter nascido cego.
Dos três questionamentos, um tomou mais meu tempo, já que o mundo sem luz já existiu e talvez hoje morrêssemos todos até nos adaptar novamente, e ficar cego, acredito eu, é melhor que nunca ter visto nada.
Comecei a pensar como um cego e o que me intrigou não foi saber como eles imaginam a mulher do tempo, se estão longe ou perto, se a fruta que vão comer esta madura, qual a cor do sexo, da natureza e da raiva.
Não consegui dormir na noite do apagão, não por medo do escuro ou dos raios e trovões que serviam de percussão a meu violão, nem pelas persianas e portas que tinham vida própria aquela noite, mas sim pela curiosidade de saber como são os sonhos de um cego.

Felipe Campal

13 de jan. de 2010

CUIDADO.



Às vezes falamos coisas sem o mínimo sentido, talvez por não nos preocuparmos com o efeito das palavras, faltando às vezes um pouco de espírito e em outras situações percepção e critério.
“Cuidado com a bala perdida” foi à última frase que falei a um casal de amigos que estava saindo para o Rio de Janeiro. Após caminhar algumas quadras escutando umas boas melodias nos meus fones, pensei em meio aos devaneios que a música me leva a ter, o quão sem fundamento foi minha despedida. O aviso de nada ajudaria na precaução da violência urbana, já que se cuidar de uma bala é quase impossível, imaginem de uma que saiu com destino, mas sem código postal. Apenas deixei uma “pulga atrás da orelha” dos viajantes e quem dera tenha faltado atenção a eles na hora da deixa.
Ao mesmo tempo existem frases típicas de nossa brasilidade como: “os últimos serão os primeiros” típica colocação de conforto a perdedores. Mas outro dia, vivenciei uma situação que fez relevante estas palavras.
Estava embarcando para Santa Terra dos Mergulhões dos Palmares na minha milésima jornada com a família Fonseca, e como sempre no embarque formou-se a tradicional fila para acomodar as bagagens, eu, como estava atrasado fiquei para o fim. Fui o último a sentar, mas o mais rápido a encontrar o acento, que era bem na frente e desta vez eu comprei a passagem, pois era a que tinha*.
Nas intermináveis três horas e quarenta e cinco minutos, - assim mesmo, escrito, para que o texto fique tão grande quanto à imensidão do caminho de casa - que tentei dormir em meio a “buenas te logo” e “ iiiihhh tudo lindo? como vás?”; achei o conforto para a minha ansiedade de cruzar o fabuloso e conservado pórtico da entrada de meu útero, no fato de o cobrador suavemente atirar as primeiras bagagens para o fundo e eu, contrariado, estar de novo viajando na frente.

*leia o texto abaixo

Felipe Campal