
Faltou luz! Grande novidade chove forte aqui e já estamos acostumados a isso. Céu escuro é sinônimo de ir ao armazém mais próximo e comprar as tradicionais velas brancas, colá-las com seu próprio sebo em um pirex marrom e esperar em silêncio ao som de um violão.
Não consegui dormir este dia, e admito não ter ido ao armazém e as pilhas que tinha estavam gastas de mais, o suficiente para iluminar as primeiras idas ao banheiro. Chegou ao ponto que estava com os dedos gastos de tantos acordes que me faziam atravessar músicas e melodias, quando resolvi, no tato, dormir. Não derrubei nada, e meu dedo pequeno do pé descansou intacto, mas não consegui pegar no sono e quando isso acontece penso em milhões de coisas ao mesmo tempo e claro naquela noite meu instinto começou a imaginar como seria o mundo as escuras, como seria ser cego, como seria ter nascido cego.
Dos três questionamentos, um tomou mais meu tempo, já que o mundo sem luz já existiu e talvez hoje morrêssemos todos até nos adaptar novamente, e ficar cego, acredito eu, é melhor que nunca ter visto nada.
Comecei a pensar como um cego e o que me intrigou não foi saber como eles imaginam a mulher do tempo, se estão longe ou perto, se a fruta que vão comer esta madura, qual a cor do sexo, da natureza e da raiva.
Não consegui dormir na noite do apagão, não por medo do escuro ou dos raios e trovões que serviam de percussão a meu violão, nem pelas persianas e portas que tinham vida própria aquela noite, mas sim pela curiosidade de saber como são os sonhos de um cego.
Felipe Campal