10 de ago. de 2010

A TV DE LEONTINA




Ao meio-dia de todos os dias escuta-se na rádio notícias sobre acontecimentos da região, são as ondas da Rádio Cultura AM 670 “kilohertz de potência”. A poucos metros do aparelho antigo, mas de perfeita sintonia, escuta-se junto com a sinfonia de um casal de cardeais, ruídos de máquina de costura e panelas ao fogo; é ela em mais um dia de serena solidão.
Com uma curiosidade imensa pelo obituário local, Leontina costura tranquilamente com a precisão que lhe cabe; dada sua idade indefinida; mais uma bainha, prega, remendo, bombacha, calça e tudo que sua velha máquina de pedal lhe permitir. Em meio às extraordinárias notícias, relembra dia após dia seu amado Olindo Libório, homem firme, trabalhador, quieto e respeitoso; que aos seus 60 e poucos anos faleceu após complicações com uma tuberculose deixando um legado de bom caráter e fidelidade à família de Betinho Estrela seu eterno patrão e à sua virgem e santa esposa.
Leontina não viu a bomba de Hiroshima, nem as torres gêmeas derreterem, muito menos Pelé errar aquele gol do meio-campo, não sabe quem é Gisele Bündchen, Michael Jackson, não viu nenhum filme da Moviola; a morte de Ayrton Senna chegou pelo rádio assim como o fim da segunda guerra e as catástrofes do século.
Nada, simplesmente não viu nada, desde que se encontra viva nunca teve televisão, é contra, não gosta, acha uma barbárie, desnecessário; não tem interesse em saber coisas que não lhe dizem respeito, tragédias longínquas, que não afetam o mundo, em que a anos se enclausurou tornando-se imune as loucuras da natureza humana e assim mantendo-se sóbria e concentrada em mais um ponto de cruz ou bainha.
Leontina San Martin ainda habita o extremo sul do país, mais precisamente Santa Vitória do Palmar, onde vive sã e salva junto com seus cardeais em uma casinha humilde, confeccionando bombachas e tendo também como frutos a aposentadoria de seu eterno companheiro Olindo Libório.

Felipe Campal

4 comentários:

Simone disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Simone disse...

Que lindo o texto Castilla!
Eu queria ser como a Leontina, a alienação dela me pareceu pureza.
Penso que todos nascemos puros, e é o que vemos e vivemos o que nos
contamina, quem ve pouco e vive pouco se contamina menos.
Será que o marido dela era mesmo um homem sério????
Será que o Michael Jackson morreu mesmo????
Será que a top não tem celulite????
Será que as torres gêmeas foram atacadas????
Ela não sabe, ela não viu.Nós vimos, mas não sabemos tbem, estams contaminados com tanta informação e vivencia, perdemos a pureza, julgamos, distorcemos informações...

Lindo Texto Parabéns!

Anônimo disse...

Grande Castija! Continua tendo essas idéias, magrão.
ab
gui

Unknown disse...

É, meu amigo Castilla este conto que para mim parece mais uma grande homenagem, ou apenas uma reflexão daquilo que uma humilde e por muitos uma cidade no fim do mundo pode nos proporcionar, um ambiente livre de grandes preucupações, onde os prazeres da vida nada mais são do que o nada e para nós é muito. Linda postagem e espero poder ler muitos, continues com suas loucas e facinantes idéias. Abraços