
Ao meio-dia de todos os dias escuta-se na rádio notícias sobre acontecimentos da região, são as ondas da Rádio Cultura AM 670 “kilohertz de potência”. A poucos metros do aparelho antigo, mas de perfeita sintonia, escuta-se junto com a sinfonia de um casal de cardeais, ruídos de máquina de costura e panelas ao fogo; é ela em mais um dia de serena solidão.
Com uma curiosidade imensa pelo obituário local, Leontina costura tranquilamente com a precisão que lhe cabe; dada sua idade indefinida; mais uma bainha, prega, remendo, bombacha, calça e tudo que sua velha máquina de pedal lhe permitir. Em meio às extraordinárias notícias, relembra dia após dia seu amado Olindo Libório, homem firme, trabalhador, quieto e respeitoso; que aos seus 60 e poucos anos faleceu após complicações com uma tuberculose deixando um legado de bom caráter e fidelidade à família de Betinho Estrela seu eterno patrão e à sua virgem e santa esposa.
Leontina não viu a bomba de Hiroshima, nem as torres gêmeas derreterem, muito menos Pelé errar aquele gol do meio-campo, não sabe quem é Gisele Bündchen, Michael Jackson, não viu nenhum filme da Moviola; a morte de Ayrton Senna chegou pelo rádio assim como o fim da segunda guerra e as catástrofes do século.
Nada, simplesmente não viu nada, desde que se encontra viva nunca teve televisão, é contra, não gosta, acha uma barbárie, desnecessário; não tem interesse em saber coisas que não lhe dizem respeito, tragédias longínquas, que não afetam o mundo, em que a anos se enclausurou tornando-se imune as loucuras da natureza humana e assim mantendo-se sóbria e concentrada em mais um ponto de cruz ou bainha.
Leontina San Martin ainda habita o extremo sul do país, mais precisamente Santa Vitória do Palmar, onde vive sã e salva junto com seus cardeais em uma casinha humilde, confeccionando bombachas e tendo também como frutos a aposentadoria de seu eterno companheiro Olindo Libório.
Felipe Campal